De O Estado
Já se passaram três dias desde que dezenas de famílias foram expulsas de suas casas na Vila Natal (Coroadinho) e Vila Colier (Pedrinhas) por causa de ameaças de facções criminosas, mas o drama de quem deixou o local e quem permanece em sua residência continua. Quem perdeu o pouco que tinha pensa até em deixar a capital maranhense para começar a vida novamente do zero. Quem ficou, teme pelo futuro nos bairros.
Com os índices de violência elevados, São Luís é hoje destaque no cenário nacional pelo episódio inusitado: dezenas de famílias deixando suas casas, por causa de ameaças de integrantes de facções criminosas, sob a escolta da Polícia Militar na última terça-feira, dia 16. Até ontem, ainda havia pessoas fazendo a mudança de seus pertences, abandonando as casas em que viveram por anos.
Nos dois bairros, onde houve a evasão dos moradores, as ruas estão desertas. Em apenas algumas casas, moradores olham pelas grades das janelas o movimento das viaturas policiais e as abordagens feitas. Raramente, uma pessoa se dispõe a falar com O Estado, que está acompanhando o caso de perto. Mas a maioria evita a mira do equipamento fotográfico e a mais simples conversa com os repórteres fechando janelas e portas.
Essa atitude por parte dos moradores é compreensível. Durante a cobertura do caso, as equipes já encontraram um homem portando facão e faca na Vila Natal. Ontem, a equipe se deparou com um jovem de um grupo que estava saindo de um matagal na Vila Colier segurando uma pistola envolta em sua camisa. É por medo dessa e de outras situações mais graves, que as pessoas estão deixando para trás a vida que levavam em seus bairros.
O morador da Vila Colier que será identificado, para sua segurança, por E.G.C., deixou a casa com sua esposa e filhos levando apenas a roupa que vestia. Móveis, eletrodomésticos, pertences e documentos ficaram para trás. Hoje, eles estão acomodados separadamente em casas de familiares se preparando para buscar as coisas na casa abandonada.
Em 16 anos de vivência no bairro, ele nunca se viu forçado a deixar tudo para trás, apesar de o bairro ter alto índice de violência. Com as ameaças de facções, ele conta que perdeu a casa, em que investiu R$ 70 mil e o emprego, pois ele trabalhava na região e não tem coragem
“Eu tenho medo pelos meus filhos. Estou desestimulado de ficar aqui em São Luís. Meus planos são de ir embora para outra cidade porque aqui não é seguro em lugar nenhum. Aqui já tivemos perda total mesmo. Vamos começar do zero longe, onde eu possa encontrar uma escola para os meus filhos e a gente não tenha medo de ser morto dentro de casa”, disse.
E.G.C, afirmou que tentará vender a casa. Mas não tem muitas esperanças de que vá conseguir. Como ele ainda não recebeu o salário destemês, está contando com os familiares para manter a esposa e os filhos e ainda pensa como dará outro futuro a eles. “A gente teve que sair da nossa casa por causa da violência. Isso é um absurdo. Esse secretário de segurança não tem pulso para controlar isso”, declarou.
Ainda na Vila Colier, a maioria das casas foi abandonada. Na Rua da Paz, duas residências exemplificam bem o que passam os moradores da comunidade. As casas estão com anúncio de venda e uma delas está com a frente cravejada de balas. Segundo os moradores, a casa foi alvo de integrantes de uma facção.
Medo
Na Vila Colier, poucas famílias continuam nas casas trancadas com medo. Um morador, que não quis se identificar, contou que os dois filhos mais novos estão há uma semana sem ir à escola em Pedrinhas, por medo do que pode acontecer.
Os prejuízos são para toda a família, que vive sob a tensão de ser assassinada, e também para as crianças, que estão afastadas da escola. “A gente não sabe quando vai mandar eles para o colégio de novo. Estamos com medo de sair na porta, porque só ficamos nós e mais umas casas ocupadas. Só vamos sair se conseguirmos vender a casa e do jeito que está ninguém quer comprar, né?”, ressaltou.
Na Vila Natal, no Coroadinho, a tensão também é grande. Poucos moradores continuam no local sob tensão de as ameaças de agressão e morte se concretizarem. Na comunidade, muitas dessas casas que continuam ocupadas são pequenos estabelecimentos comerciais, que estão fechando as portas ainda no início da tarde.
Segundo um comerciante, que não quis se identificar, as filhas ficaram três dias sem ir à escola assim como manteve o estabelecimento fechado durante esse período. São mais de 10 anos no local e ele não tem condições de tirar a família de lá, pois é nessa casa que ele trabalha e tira o sustento da família vem unicamente da renda do ponto comercial.