Com passagem pelos três poderes e forte viés político, Dino chegou ao STF há um ano sob críticas da oposição e com resistência de setores religiosos. Integrantes da bancada evangélica, principalmente, tentaram impedir a aprovação de seu nome para a vaga no tribunal.
Um dos líderes desse grupo, o deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) disse que se tratava da pior indicação para o Supremo feita por um presidente da República em toda a história. “Dino é um debochado, um provocador. Diz que é comunista graças a Deus. Sempre falamos que o Lula e o PT são divorciados do meio evangélico, essa é mais uma prova disso”, disse o congressista.
A referência ao comunismo remete ao passado de Dino, eleito uma vez deputado federal e duas vezes governador do Maranhão pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Depois, mudou para o PSB, legenda pela qual conquistou uma vaga no Senado em 2022, antes de assumir o Ministério da Justiça no início do atual mandato de Lula.
Dino começou a carreira como juiz federal. Depois, deixou a carreira jurídica para entrar na política. A experiência profissional inclui uma passagem pela estrutura interna do próprio STF: foi juiz auxiliar de Nelson Jobim na presidência da corte entre 2004 e 2006. Nesse período, acumulou o cargo de secretário-geral do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Multiplicação de sugestões
Depois de tomar posse, Dino manteve o estilo loquaz e irônico que caracterizou sua passagem pelo Ministério da Justiça, quando ganhou notoriedade, principalmente por seu papel no 8 de Janeiro. As interferências nos debates são tão frequentes que provocam reações dos colegas de toga.
Em brincadeiras na corte, o ministro ganhou fama de falar demais, até nos casos já julgados por sua antecessora no cargo, Rosa Weber – normalmente, quando isso acontece, o sucessor não tem direto de votar. O novato, porém, não deixa de opinar e ainda procura influenciar os votos dos demais integrantes do STF.
Um episódio recente tornou pública a reputação de tagarela. No dia 12 de fevereiro, quando o plenário discutia um recurso sobre a responsabilidade de entes públicos em dívidas de terceirizados. Depois apresentar duas sugestões para a construção da tese, Dino pediu a palavra ao presidente, Luís Roberto Barroso, para sugerir outros dois pontos.
“Isso é um milagre da multiplicação das sugestões, não é possível”, brincou Barroso. Dino reagiu com bom humor: “É aquela frase que eu digo sempre… Eu tenho essa mania de honrar o salário, né?”.
Suspensão das emendas
No Supremo, além das intervenções apimentadas, o ministro assumiu a frente da briga com o Congresso ao suspender, em agosto do ano passado, o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares. Esse caso ainda se arrasta, sem que Dino ceda nas exigências.
Ele quer que os repasses sejam mais transparentes, e que os recursos sejam rastreáveis até seu destino final. Com esse comportamento, tornou-se um obstáculo para o Centrão, o bloco de congressistas que controla as atividades do Parlamento e produziu o orçamento secreto. Sob a ótica da oposição e do Centrão, Dino age como um representante do governo no STF.
Outro caso emblemático conduzido por Flávio Dino foi a mudança do entendimento do Supremo em relação à aplicação da Lei de Anistia. Os chamados “crimes permanentes”, como o desaparecimento das vítimas da ditadura, passam a ficar de fora.
Após uma intervenção de Dino, a corte decidiu analisar um processo sobre esses crimes com tramitação no sistema de repercussão geral, quando a decisão final passa a ser usada pelas instâncias inferiores em julgamentos sobre o mesmo tema. Internamente, a participação na elaboração de teses como essa é um termômetro que mede a capacidade e a influência de um ministro.
Para a advogada Damares Medina, pesquisadora do trabalho dos ministros do STF, Flávio Dino é um caso único na história do tribunal, por ser um “benjamin” influente com apenas um ano no cargo. Ela atribui a força dele à experiência adquirida em todos os poderes antes da chegada à corte. Nos Estados Unidos, diz a estudiosa, um ministro demora pelo menos dois anos para se sentir confortável no cargo a ponto, por exemplo, de se posicionar de forma independente de quem o nomeou.
Politização do Supremo
Único voto contrário à indicação de Flávio Dino na CCJ do Senado na sabatina do Senado, em dezembro de 2023, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) continua crítico à escolha de Lula. “O ministro é muito qualificado tecnicamente, mas leva politização à corte”, diz. O parlamentar cita como exemplo o desenho de regras em determinadas ações, como a das emendas. Afirma que Dino trocou uma vez a magistratura pela política, e pode fazer isso de novo.
Para Vieira, o bloqueio das emendas de comissão é importante, mas Dino extrapola ao mirar também emendas individuais e de bancada, que, segundo ele, seguem os requisitos para serem liberadas. “As questões de corrupção na ponta devem existir e precisam ser apuradas caso a caso”, defende. Na interpretação do senador, Dino “criminalizou as emendas”. “E ele foi deputado, senador, governador duas vezes… É alguém que sabe o que está fazendo.”
Dino está também à frente de outros casos importantes, como o controle das queimadas na Amazônia e no Pantanal. Nesse caso, ele se tornou alvo de críticas de parlamentares e integrantes do Poder Executivo por ter apresentado um plano de combate aos incêndios que incluía a contratação de profissionais. O detalhamento das medidas foi tratado pelos críticos como uma intromissão indevida nos outros poderes.
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