Da coluna do Sarney
Depois que os institutos de pesquisa dominaram uma técnica de sondar a opinião pública com uma margem de precisão quase certa e baixa taxa de erro, não se fala mais em campanha nem em ideias, mas no resultado do Ibope.
Este segundo turno está deixando a nação em suspense com os candidatos empatados, numa subida e descida muito estreita, de modo a que haja coração para aguentar tanto. Os debates transformaram-se numa luta de boxe, em que depois do embate ninguém fala quais as ideias melhor apresentadas, qual o programa de governo melhor proposto, mas a pergunta é “quem ganhou”, e se conta pelos rounds, como se fossem sets de uma partida de voleibol. Candidato A ganhou o 1º e 3º rounds, o candidato B ganhou o 2º, 4º e 5º, o resultado foi 3 x 2.
A pergunta que fica diante deste clima de competição, como se a eleição fosse um jogo, é se isso ajuda ou desajuda a democracia. Realmente, o processo democrático no Brasil não conseguiu aprofundar-se depois da redemocratização do país, que tive a missão histórica de conduzir. O sistema eleitoral brasileiro, com seu bolorento anacronismo, só tem contribuído para que o gargalo institucional que atravessamos depois de sepultarmos as intervenções salvacionistas dos militares iniciadas com a República volte a figurar em nossas preocupações. Daí a urgência em promovermos uma reforma política que restaure os partidos, fortifique os partidos políticos e possa assegurar a execução de um programa de governo que tenha sido aprovado pelo povo, através da eleição e não esse espetáculo em que esta se transformou, no qual o êxito está no dinheiro, na capacidade de arregimentar apoios quase sempre tocados por interesses subalternos.
Enquanto isso não ocorre, ficamos expostos à violência dos debates, aos insultos pessoais, em que o objetivo maior é desqualificar o adversário e não valorizar as ideias.
Não estou falando do quadro estadual. Minha análise é do processo brasileiro, em cujo debate tenho estado presente há 30 anos, quer apresentando projetos, quer advogando a necessidade de melhorar o sistema eleitoral. Data de 40 anos o meu projeto do voto distrital, aceitando o modelo alemão, em que podemos fazer a metade da representação por votos proporcionais e a outra metade por indicação partidária. Mas para isso teremos de criar partidos com democracia interna, que assegurem uma vida partidária e formação de lideranças e não esses cartórios de registro de candidatos em que se transformou essa multidão de siglas.
O resultado dessa anárquica prática que vivemos é a perda de legitimidade dos representantes e do Congresso. Daí o desprestígio dos parlamentos, a decadência da democracia representativa e a pregação de criarmos conselhos populares para corroer a legitimidade dos parlamentos.
Algumas leis que praticamos – como a do voto proporcional – remontam ao século XIX e este só existe no mundo no Brasil. Quantas vezes tenho afirmado isso? Criei, como presidente do Senado, uma Comissão para rever a legislação eleitoral e outra para rever o Código Eleitoral, defasado e hoje totalmente superado, o que tem obrigado o TSE a emitir Resoluções regulando tudo, até o tamanho de cartazes.
Mas a esperança é que cada eleição mostre os defeitos do nosso sistema e se cristalize uma vontade política poderosa que faça as reformas que precisamos, para o bem da democracia.